Dica de leitura: As reflexões valiosas de Valter Hugo Mãe

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Imagina um escritor que consegue mesclar o realismo fantasioso de Gabriel Garcia Márquez com imaginação irônica de José Saramago – inclusive a característica de diálogos que soam como reflexões das personagens. Os estilos de dois premiados com Nobel da Literatura internacional parecem se misturar nas obras do autor português Valter Hugo Mãe, pelo menos foi o que pensei ao ler “O Filho de Mil Homens”, lançado no Brasil pela editora Biblioteca Azul.

A primeira característica que me atraiu e me fez comprar o livro foi a edição gráfica em geral: cores fortes, lombada colorida e ilustração expressionista. E bom, posso admitir que o livro não é só bonito, mas é, principalmente, potente. Potente em suas frases, diálogos, narrativa, personagens. E não é um livro para se “devorar”, é preciso lê-lo com calma, pois permite muita reflexão sobre os relacionamentos humanos, amor, solidão e aceitação.

O Filho de Mil Homens é um livro que se propõe a contar a história de diversas personagens que, de alguma forma, se sentem solitárias, algo lhes falta para ter uma vida completa. O primeiro perfil apresentado na narrativa é o do pescador de 40 anos, Crisóstomo, que se sente triste por não ter um filho. Desesperado, Crisóstomo começa a procurar um filho perdido, uma criança sem família. Quem cruza seu caminho é o Camilo, jovem órfão que aceita ser filho de Crisóstomo.

Em seguida são narradas histórias de outras pessoas que se interligam ao longo do livro. Isaura (a rapariga que falhou no amor),  Antonino (o homem maricas), Matilde (a mãe do homem maricas), Emília (a nova filha adotiva de Matilde) retratam vidas complexas que, de certa forma, encontram formas de coexistir e construir novos significados para a existência de cada um.

Sem ser cronológica, a história envolve o leitor com uma perspectiva de “contos”. É necessário contar, individualmente, a história e a importância daquela personagem para o contexto da narrativa e, assim, abordar as particularidades sentimentais, comportamentais e familiares de cada um, que, no final, se unem de maneira bastante harmoniosa.

Depois de uma breve pesquisa, percebi que Valter Hugo Mãe é bastante conhecido por inserir frases um tanto quanto tocantes em seus livros e eu não poderia deixar de destacar alguns trechos que me impactaram profundamente, e provavelmente vão ressoar por muito tempo em minha mente:

“Acontecia assim porque, aos quarenta anos, o Crisóstomo assumiu a tristeza para reclamar a esperança”

“A esperança era uma coisa muda e feita para ser um pouco secreta”

“Quem tem menos medo de sofrer, tem maiores possibilidades de ser feliz”

“O tecto caía. A infelicidade tornava-se insuportável. Apetecia-lhe odiar tudo, porque o medo fazia ódio”

“Ser o que se pode é a felicidade”

“Não adianta sonhar com o que é feito apenas de fantasia e querer aspirar ao impossível. A felicidade é a aceitação do que se é e se pode ser”

“O toque de alguém, dizia ele, é o verdadeiro lado de cá da pele. Quem não é tocado não se cobre nunca, anda como nu. De ossos à mostra… E amar uma pessoa é o destino do mundo”

“…estava a habituar-se a valer pouco para não esperar nada na vida. Se não esperamos nada, dizia ele, tudo quanto existe é já abundância”.

“Quando se conhecer alguém, pensou Crisóstomo, procuram-se as exuberâncias dos gestos, como para fazer exuberar o amor, mas o amor é a pacificação com as nossas naturezas e deve conduzir o sossego. O gesto exuberante é um gesto desesperado de quem não está em equilíbrio.”

“nunca limites o amor, filho, nunca por preconceito algum limites o amor. O miúdo perguntou: porque dizes isso, pai. O pescador respondeu: porque é o único modo de também tu, um dia, te sentires o dobro do que és”

“E ela dizia: o que nos muda também nos aumenta. Queria dizer que obrigava a um crescimento interior e espevitava o engenho e a robustez para a sobrevivência”

“Estavam à mesa carregados do passado, mas alguém fora capaz de tornar o presente num momento intenso que nenhum dos convidados queria perder. Naquele instante, nenhum dos convidados queria ser outra pessoa”

“Mas não era uma tristeza, era exatamente uma saudade de ter sofrido o que sofrera, o necessário para lhe ensinar a  usufruir mais tarde, agora, a felicidade”

Aproveite, porque a leitura é maravilhosa, e é uma dica preciosa para quem procura algo especial para ler.

SERVIÇO:

Título: O Filho de Mil Homens
Autor: Valter Hugo Mãe
Editora: Biblioteca Azul
Páginas: 224
Preço de Capa: R$49,90

2 Comments
  • Lorrany Moura

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    Marina, esta é minha primeira vez aqui, no seu cantinho. Estou lendo O Filho de Mil Homens e sempre que me deparo com um livro que encoraja reflexões gosto de conhecer outras percepções, interpretações novas. Sinto que isso enriquece minha experiência literária. E foi assim que cheguei até aqui. Adorei conhecer o seu olhar em relação ao livro e VHM. {Continua}

  • Lorrany Moura

    Responder

    {Continuação} Me identifiquei muuitooo com sua biografia, inclusive quanto ao estado. Rsrs. Moro na região metropolitana de SP, Barueri. É uma cidade bem próxima. Cheguei em 2018 por aqui, eu e meu marido viemos do Rio. Você tem meu email, se te interessar e se sentir à vontade, me contacta. Seria muito gostoso conversar sobre livros com você. Um abraço apertado.

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