Flor de maracujá

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(Foto: Enuge Pinterest)

(Foto: Enuge Pinterest)

O motorista para o ônibus fora do ponto, na rua Mato Grosso, atrás do cemitério da Consolação.

Ele desce e se agacha para pegar alguma coisa na sarjeta.

???

— É um maracujá, madurinho — anuncia, feliz, exibindo o troféu para os passageiros das 2 da tarde.

Alguns dos aposentados da parte dianteira do ônibus logo se interessam.

— Lá na minha terra… – diz um.

— Eu conheço de dois tipos. Tem um que é assim…

— Tem um pé bem ali,carregado que só vendo — retoma o motorista.

Descem para ver, dois ou três, mais o motorista.

Ele esquece o ônibus, esquece o trabalho, ergue o indicador e aponta, orgulhoso, para o muro do cemitério:

— Vem lá de cima, tão vendo?

A admiração é geral.

Ninguém reclama de nada.

Os que permaneceram no ônibus também se interessam. Alguns dos que estão do lado esquerdo até se esticam para ver o pé de maracujá.

— Olha aqui, moço — prossegue o motorista, que nessa altura já me parece mais o maestro encantado de uma orquestra que nunca ninguém viu. — Tá vendo, trepado ali na árvore. Olha, cada maracujazão!

Os mais sortudos, sentados à direita do ônibus, encostam o nariz no vidro da janela — ou põem a cabeça do lado de fora.

Interessadíssimas, duas senhoras, bem de idade, começam uma conversa, facilmente audível, sobre as propriedades terapêuticas do maracujá.

— A gente dorme que é uma beleza…

— Moço, moço, tem flor também? — uma das senhoras quer saber.

— Tem não, minha senhora! Já tem é fruta, madurinha.

— A senhora já viu uma flor de maracujá? A coisa mais linda….

Ela descreve a flor, emocionada.

Eu, lá do meu canto, já tinha nessa altura percorrido com a vista o muro inteiro do cemitério, para ver o pé de maracujá. Um dos felizardos do lado direito, conseguira inclusive avistar a árvore que acolheu o pé da fruta para o ônibus inteiro bendita. Mas, aí, fiquei imaginando mesmo a beleza de uma flor de maracujá. Não a verdadeira, que conheço e que é linda, mas aquela imaginada pela velhinha da parte dianteira..

Divina, essa flor.

Com fruto amarelo e flor roxa, que bela árvore! (Foto: etsy.com)

Com fruto amarelo e flor roxa, que bela árvore! (Foto: etsy.com)

Os viajantes retornam aos seus lugares, e o motorista, ao volante.

O ônibus desce a Mato Grosso. Vira à direita, em direção à rua da Consolação. E pega o rumo da Paulista, levando adiante a conversa animada sobre o maracujá.

E eu, que uns 25 minutos antes, ao entrar no veículo, não conseguia tirar da cabeça as cenas de terror da véspera, na estação Pinheiros do Metrô, em dia de greve de ônibus.

Fiquei com uma vontade danada de cantar um parabéns pra você, São Paulo, a cidade da greve e do desespero, tanto quanto da flor de maracujá — “Tem flor, não, minha senhora! Está cheio de fruta!” — em muro de cemitério.

Texto por Dimas A. Künsch, professor doutor na Faculdade Cásper Líbero

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