A arte escondida na praça

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(Foto: Nayara Giuntini)

Quem cruza a Praça Nossa Senhora do Bom Parto, Tatuapé, zona leste de São Paulo, às quintas-feiras e vê um simpático senhor sentado ao lado de inúmeras pinturas não imagina o quão rica é sua história. Seu nome é José Ming Belinchão, tem setenta e sete anos e é formado em cinco cursos universitários, entre eles pedagogia e direito. Fora o talento para a pintura, a qual ele pratica desde os sete anos, José também tem o dom de ensinar, ele foi professor de matemática em inúmeras escolas da região.

Cada pintura tem um significado especial e, segundo ele, “uma boa pintura precisa fazer com que você se sinta no lugar”, esse é, por exemplo, o objetivo das paisagens. Grande parte das pinturas é feita na praça durante a tarde, todas ficam expostas, mas nenhuma está à venda. “Eu nunca vendi um quadro meu”, afirma José com orgulho. A praça é uma espécie de exposição gratuita ao ar livre.

 Seu pequeno ateliê, que fica dentro de sua própria casa, serve também como sala de aula para futuros artistas e, segundo ele, “todo mundo pode desenhar.” Suas aulas são voltadas, especialmente, para técnicas da pintura e ele garante: “Se a pessoa não sabe absolutamente nada, o primeiro desenho que ela fizer será perfeito.” Apesar do pouco reconhecimento que as artes em geral recebem no Brasil, José tem muito orgulho do que faz “Eu realizo o sonho de muita gente”, afirma ele com um sorriso no rosto.

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(Foto: Nayara Giuntini)

Dentre seus alunos estão pacientes de uma clínica, a qual ele não quis identificar, que praticam a arte como meio de tratamento auxiliar. “Indicam as pessoas, justamente, para fazer a complementação da cura, ajudar a curar. Pessoas nervosas, a pessoa relaxa isso é muito… Se você soubesse como isso é bonito.” Das várias pessoas que já complementaram seus tratamentos com ele, duas marcaram mais. A primeira era uma moça que tentara se suicidar porque seu padrasto a abusava sexualmente e a ameaçava de morte, a qual o senhor Belinchão ajudou e acompanhou, inclusive, até a delegacia e a outra, uma jovem, descobriu estar grávida e iria realizar o aborto por medo de contar aos pais, mais uma vez ele usou da arte e da experiência para ajudar.

Em relação a sua antiga profissão, como professor, ele carrega apenas lembranças boas. “É uma satisfação grande de saber que a gente fez parte da vida deles” e entre as várias histórias que lembra nos narra uma em especial: “Fui a uma delegacia, numa reunião, e tinha um vidro na janela, solto, que ia cair na cabeça do delegado. Então, o rapaz que estava do meu lado levantou e tirou esse vidro. Aí eu falei pra ele, muito bem! Bati palmas e disse que ele estava fazendo o que prometeu como bom escoteiro: fazer pelo menos uma coisa boa durante o dia. Aí ele falou, o culpado é você. Eu fiquei assustado e então ele disse que eu havia sido seu professor, disse que eu o havia ensinado coisas maravilhosas e isso era uma delas. São coisinhas assim, pequenas, que valem à pena.”

 José ganhou todos os prêmios possíveis relacionados à arte, entre eles, o do concurso Talentos da Maturidade promovido pelo Banco Santander, antigo Banco Real.

Como muitos outros, seu José era mais um tesouro escondido em um tradicional bairro de São Paulo que, segundo ele próprio, vai se perdendo com o tempo junto de suas memórias. Uma lição que ele nos dá é a de que “O principal não é só pintar, é saber transmitir.” Ou seja, a arte vai muito além do que os olhos podem ver.

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