Faz muito tempo que eu não escrevo sobre feminismo. Na verdade, faz um tempo que percebo o quão efusiva já fui sobre o tema e o quão cansada me sinto hoje. Às vésperas do Dia da Mulher – ou já nele, afinal, passa da meia-noite – reflito sobre todos os conteúdos que já criei e elaborei ao longo de tanto tempo e enxergo neles uma motivação que já não vejo hoje. Para onde foi esse meu eu? Por que eu já não falo tanto sobre feminismo?
A verdade é que eu ainda vivencio o feminismo em todas as suas camadas, também leio como nunca a respeito. bell hooks, Silvia Federici, Audre Lorde, Lélia Gonzalez, Ângela Davis, Heleieth Saffioti. Ainda as sigo, as tenho como guias e tento, dentro da minha pequeneza e alcance, levá-las a outras pessoas. No entanto, há um cansaço em mim. Um cansaço que me questiono se já abateu algumas das minhas heroínas. Será que em algum momento de sua luta e caminhada elas também já se sentiram sem ter mais o que falar? Como se tivessem esvaziado tudo de si? Como se já tivessem se doado de mais?
Desde a última vez em que trouxe o tema para esse ambiente, me tornei colunista do Portal Catarinas e por lá trouxe reflexões sobre saúde mental e economia do cuidado, tema que venho estudando com mais afinco e buscado compreender suas nuances. Então, sim, ainda escrevo sobre feminismo. No entanto, mesmo em um espaço tão instigante e acolhedor, ainda vejo o meu cansaço. Em meio à discussões sobre o Oscar 2025, A Substância e etarismo, milhares de pensamentos e falas me ocorreram, todos morreram antes de chegar ao papel. Por que?
Porque a luta também cansa. Temos uma visão apaixonada e idealista de que lutar é estar sempre com punho em riste, pronta para argumentar, gritar, se empoderar, porém, lutar cansa. Ano após ano, tema após tema. Em algum momento, cansa. Eu poderia escrever dezenas de parágrafos sobre o Dia da Mulher, sobre o quanto ainda precisamos avançar como sociedade, sobre como ainda temos medo de existir e ocupar espaços que já deveriam nos pertencer, mas a verdade é que eu estou cansada.
Em um texto de 2015 para o portal Geledés, Larissa Santiago trouxe o tema do cansaço de uma luta constante que perpassa machismos e racismos – inclusive dentro do feminismo – da nossa sociedade. “Meu feminismo está cansado de paz. De ter pedidos implorados, quase rezados de calma, paciência e sororidade – essa, usada apenas em momentos convenientes, covardes e violentos. De não ser ouvido quando reage e de ser solenemente ignorado quando tenta explicar paciente que não é bem assim”, ela diz. Eu leio, absorvo, concordo.
Estou cansada de revisitar os mesmos temas, de falar e falar e ainda assim não me sentir escutada, de ver a mim mesma trazendo reflexões que ninguém irá refletir a respeito. Cansada. Exaurida de um feminismo liberal e superficial, que se alimenta do “girl power” e permite que as mesmas mulheres que utilizam seu discurso oprimam outras mulheres em benefício próprio – algo tão cíclico e antigo na sociedade, especialmente de mulheres brancas para com mulheres negras.
Cansada de observar falas que surgem apenas em um único dia do ano, em observar o debate de flores versus não me dê flores, como se fosse esse o cerne da questão. Por que precisamos tanto repetir o óbvio? Por quanto tempo mais precisaremos? Eu leio, absorvo, aprendo, mas para onde tudo isso vai? Quem realmente está ouvindo? Há ecos que não consigo preencher. Não quero mais falar sozinha. Lutar é cansativo. Talvez seja nesse momento, no seu momento de menos força, que se deva olhar para o coletivo, buscar resiliência em outros olhares, outros lugares. E é o que eu vim fazer.
Esse não é um texto de luta. Tampouco trago alguma fala provocativa sobre o 8 de março ou sobre sororidade. Não sei para onde iremos ou o que fazer. Esse é o meu eu cansado e reflexivo buscando em outras o que me falta agora. Um eu fragilizado, mas aberto, exposto e sincero. Porque dentro de uma luta só é possível avançar em grupo. E porque uma luta precisa de cuidado. Por isso, te pergunto como anda o seu feminismo? Você também está cansada? Como está a sua luta?
Como está você?
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